Como os cristãos devem interpretar o Antigo Testamento

Comentários acerca do texto do teólogo alemão Martim Lutero (1483-1546 d.C.): “Instrução sobre como os Cristãos devem lidar com Moisés”, debatido em aula sob a orientação do Prof. Dr. Mario F. Tessmann.

17
agosto, 2021

Cássio Wendland – estudante da FATEV

Conforme Lutero, houve duas pregações públicas de Deus, a primeira encontra-se no Livro do Êxodo, no capítulo 20; a segunda está no relato de Atos 2, na proclamação dos discípulos. A primeira é a lei de Deus, que está voltada para a nossa atuação, ela consiste em exigir. Já na segunda nos é apresentado o Evangelho (cujo significado é ‘boa notícia’), que aponta para aquilo que nos é concedido por Deus, a saber, a vida e obra de Jesus Cristo, não mais aquilo que devemos “fazer ou deixar de fazer, ele [o Evangelho] nada exige de nós”.

Acerca desta compreensão da interpretação de Moisés (e aqui subentende-se toda a Lei, e, por extensão, o Antigo Testamento), Lutero destaca que as exigências da lei veterotestamentária é de exclusividade para os judeus, de nada tem a ver com os gentios (aos quais nos encaixamos hoje). Como defende o teólogo alemão, ecoando as palavras de Paulo aos Gálatas (5:3): “Se acato Moisés em um mandamento, tenho que aceitar um Moisés inteiro.” Sendo assim: “não observaremos, nem aceitaremos Moisés. […] Seu governo findou quando veio Cristo, ele já não serve mais.”

Qual é, então, a necessidade de se conhecer, quanto mais pregar, acerca de Moisés/Lei/AT? Para Lutero surgem três utilidades para a reflexão em Moisés: um bom exemplo de governança, a apresentação das promessas de Deus a respeito de Cristo e belos exemplos de fé, amor e obediência a Deus.

Como primeira serventia de Moisés, conforme Lutero, está um referencial de gestão e governança do povo, onde as leis de administração e taxação financeira (p.ex. o dízimo e a venda de posses), assim como o manejo de heranças, seriam balizas que serviriam como orientação aos nossos governantes.

Atentando, então, para as leis, o teólogo alemão reflete acerca das leis morais (essencialmente o decálogo), onde se posiciona semelhantemente a Paulo, na epístola aos Romanos (2:13ss), ressaltando que “os gentios, os que não tem lei, tem-na inscrita em seu coração”. Por esse motivo, toda obediência que vá além da lei natural não provém de Moisés, mas sim de Jesus Cristo, o nosso Mestre.  De acordo com Lutero, “os Dez Mandamentos são um espelho da nossa vida, no qual enxergamos o que nos falta”.

Em Moisés (e, por extensão, todo o AT), também encontramos as promessas de Deus acerca do Messias, o Redentor, o nosso Salvador. Estas promessas não nos exigem coisa alguma, pois é o próprio Deus quem promete que seu Filho virá em carne, …, e podemos, assim, arraigar nossa fé, nossa coragem e esperança neste Evangelho, “em Jesus Cristo, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção, […].”

Consoante a estas promessas (ainda lidando com o AT) é crucial o discernimento entre as palavras que nos dizem respeito e as são direcionadas ao povo que Deus está falando. Lutero destaca a importância de não tomarmos como mandamento de Deus aquilo que não nos diz respeito (p.ex. a ordenança a Abraão do sacrifício de um filho), mas sim àquelas palavras que dão coragem e ousadia, nessas devemos confiar. Nossos mandamentos provêm de Cristo, “Moisés foi enviado aos judeus”, já aos discípulos de Jesus foi ordenada a “pregação [do Evangelho] a todas as criaturas”, e é aqui onde nós, os gentios, nos encontramos. A proclamação não é voltada apenas para o povo de Israel, mas passa a ser universal, onde “ninguém precisa duvidar de que o Evangelho deve ser pregado também a ele.”

Como terceiro, e último, aspecto a ser considerado em Moisés encontramos exemplos de confiança, obediência, integridade e restauração em Adão, Abel, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, …, homens que nos ensinam a confiar em Deus e amá-lo. Contrapondo estas referências também encontraremos exemplos de incredulidade, que recebem a ira e castigo de Deus, nos mostrando, assim, como não devemos agir. Nas palavras do reformador, “em nenhum outro lugar encontram-se tão belos exemplos de fé e de descrença como, justamente, nos livros de Moisés.”

Desta maneira, Lutero faz uma introdução de como encarar Moisés, a importância de “entendê-lo, como acolhê-lo e não descartá-lo totalmente”, para que aprendamos com os belos exemplos, nos apeguemos as promessas de Deus que apontam para Cristo e, se possível, retiramos boas balizas governamentais, para o nosso proveito. Pois, conforme Paulo a Timóteo (3:16s), “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”.

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